Há assuntos que continuamente ressurgem entre
vegetarianos, defensores dos direitos animais e o público
em geral. Um desses assuntos se refere ao status de cães
em relação aos seus hábitos alimentares: se cães são
carnívoros ou onívoros.
Para efeitos de classificação, cães são animais mamíferos
pertencentes à Ordem Carnívora. Essa é uma ordem
bastante diversificada de mamíferos, mais de 260 espécies,
que partilham entre si um ancestral comum próximo, além
de algumas características físicas comuns a quase todas as
espécies (pés com quatro ou cinco dedos, unhas em forma
garras, dentes adaptados para cortar, com a presença de
caninos fortes, cônicos e pontiagudos).
Taxonomistas tem consciência de que o termo aplicado à
Ordem - Carnivora - está defasado. A denominação até hoje
presente é antiga (1821) e se baseia no hábito alimentar
predominante dentro do grupo. Hoje se reconhece que
chamar a uma ordem de mamíferos Carnívoros gera
confusão, porque se por um lado o nome permite agrupar
familias aparentadas, por outro ela pretende nos dizer o que
esses animais comem, o que não pode ser generalizado.
Não existe uma ordem de mamíferos chamada herbívora e
uma outra chamada onívora. Animais são classificados com
base em seus ancestrais comuns e suas características
físicas, não com base em seus hábitos alimentares. Assim,
dentro da maioria das ordens de mamíferos há animais que
consomem carne ou insetos e por outro lado há, dentro da
Ordem Carnívora, animais que nunca ou quase nunca
consomem carne.
Há Mamíferos Carnívoros que pelo seu hábito alimentar na
natureza são carnívoros obrigatórios (felinos, furões, ursos
polares, focas, etc), outros consomem parte de sua dieta em
carne e parte em vegetais e por isso devem ser
considerados taxonomicamente carnívoros, embora com
hábitos onívoros (ursos, guaxinins, quatis, canídeos, etc) e
alguns deles, inclusive, alimentam-se basicamente de
vegetais (urso-panda).
O lobo cinzento (Canis lupus), espécie da qual deriva o cão
doméstico, é uma espécie carnívora com hábitos alimentares
onívoros. Animais que habitam regiões temperadas do
hemisfério norte, alimentam-se principalmente da carne de
caça, mas grupos que habitam regiões mais quentes e com
maior disponibilidade de vegetais consomem também
vegetais, embora não exclusivamente.
O lobo guará (que apesar do nome não é um lobo) é um
canídeo brasileiro cuja dieta, em sua maior parte, é
constituída de frutas, tubérculos, cana-de-açúcar e mel.
Pequenos animais, ovos e insetos também são consumidos,
mas representam um papel secundário na alimentação como
um todo.
Cães domésticos são taxonomicamente mamíferos carnívoros
da família canídae. Isso não diz nada sobre sua dieta. Há
cães que se adaptam bem ao consumo de frutas e legumes,
cereais, leguminosas e sementes. Outros preferirão uma
dieta exclusivamente constituída de carne, quanto muito
aceitarão arroz ou algum legume se estiver muito bem
misturado à mesma. Tudo isso tem mais a haver com o
costume do que com uma necessidade biológica.
Cães domésticos podem ser acostumados ao consumo de
alimentos exclusivamente vegetais. Para isso, porém, faz-se
necessário que este alimento lhes seja oferecido em
composição de nutrientes balanceada para atender às suas
necessidades fisiológicas. O alimento deve ser preparado de
modo a conter todos os aminoácidos essenciais que não são
sintetizados pelo organismo do animal. Deve conter, ainda,
todos os lipídeos, vitaminas e minerais necessários para a
manutenção de sua boa saúde. O alimento deve, também,
estar disponível em uma versão sensorialmente agradável ao
animal. Isso pode ser conseguido de diferentes formas.
Há uma discussão pseudo-ética e pseudocientífica em relaçãoà nossa prerrogativa em alterar os hábitos alimentares de cães domésticos. Se temos esse direito ou não pode-se realmente discutir, mas a verdade é que todas as pessoas que mantém esses animais alteram seus hábitos. Na natureza cães/lobos perseguiriam bois almiscarados, veados, coelhos e aves diversas. Os abateriam e consumiriam sua carne, especialmente os órgãos moles, sem limpar.
Uma pessoa que crie cães, mesmo que os alimente com
carne, não estará o alimentando com a carne de caça, com
os cortes que eles naturalmente escolheriam. Não estará
lhes permitindo caçar, consumir o conteúdo estomacal do
animal, sua pele e os tendões. A dissonância é ainda maior
nos casos em que se alimenta o animal com rações
comerciais e em lata, que são de qualquer forma
constituídas de sobras de matadouros, farelos de milho e
soja, quirera de arroz, cenoura, ervilha e muitos
conservantes.
A alteração do comportamento não se encerra por aí. Não
permitimos aos cães expressarem seu comportamento
natural quando os criamos em chãos cimentados ou de piso,
quando não os permitimos cavocar na terra, rolar na
carniça, entrar em lagoas, ter contato com outros cães ou
copular segundo seu próprio arbítrio. Contrariamos sua
natureza quando mandamos que parem de latir, quando lhes
damos banhos, quando escolhemos aonde que eles devem
defecar e urinar, quando limitamos sua movimentação e seu
acesso à relva. Não me entendam mal, sei que esse é o
preço da domesticação. Se não fizéssemos todas essas
coisas, a convivência com cães não seria tão fácil.
Foto Arquivo pessoal: Canil Serra da Bocaina
Então sim, entendo a aflição das pessoas que se opõe à
manutenção de cães com dietas vegetarianas. Entendo e
questiono, pois essa é uma aflição não refletida. Ninguém
que conheço, vegetariano ou não, permite aos seus cães
expressarem seu comportamento de maneira natural. Há
mais de 20 anos que não conheço alguém que crie cães com
outra coisa que não seja ração. Rações podem ser boas ou
ruins, mas isso nada tem a haver com serem rações
vegetarianas ou não. Rações precisam ser balanceadas, elas
precisam ter uma quantidade adequada de carboidratos,
proteínas, lipídeos, vitaminas e minerais. Isso pode ser feito
utilizando-se ingredientes de origem animal ou não. De toda
forma não é a dieta natural que o animal seguiria, se tivesse
a opção.
Ana Rosa Figueira
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