Quem já não se deparou com uma coincidência incrível,
daquelas que fazem a gente pensar se há alguma razão
sobrenatural para aquilo ter acontecido? Algo como você
ligar para um amigo e ouvir que ele estava pensando em
ligar para você naquele momento, ou encontrar com uma
pessoa que você não via há muito tempo bem no dia em que
sonhou com ela.
Para o biólogo inglês Rupert Sheldrake, essas ocasiões são
mais que simples acasos. Ele defende que acontecimentos
como esses ocorrem nos raros momentos em que nos
conectamos a uma forma de consciência primitiva, que o
processo civilizatório calou há muito tempo. Para Sheldrake,
a forma mais fácil de comprovar a existência dessa outra
inteligência é observar os animais, que ainda dominam e
utilizam cotidianamente esse sexto sentido.
Antes de entrar nas teorias de Sheldrake, é bom apresentá-
lo. Para grande parte dos cientistas suas idéias não passam
de esoterismo. Mas o biólogo tem credenciais cunhadas nas
casas mais nobres da ciência. Formado em Ciências Naturais
pela Universidade de Cambridge e em Filosofia pela
Universidade de Harvard, Sheldrake tem ainda o título de
PhD em Bioquímica (também de Cambridge). Mas,
decididamente, ele não segue os passos de seus mestres.
Seus livros levam a sério temas banidos da academia, como
fenômenos “paranormais” e espiritualidade. Para ter uma
idéia do tipo de crítica que suas idéias geram, basta dizer
que John Madox, ex-editor da revista Nature, propôs que os
livros de Sheldrake deveriam ser sumariamente queimados.
“Ele merece ser condenado pela mesma razão que o papa
condenou Galileu: como um herege”.
Para acirrar ainda mais a controvérsia, Sheldrake critica
abertamente alguns dos pilares do método científico, como
a necessidade de ambientes controlados para reduzir o
número de variáveis em um experimento e a validação de
um resultado somente se ele puder ser repetido nas mesmas
condições. Para Sheldrake, isso gera um artificialismo que
desmerece os resultados. “Essa visão”, diz o controverso
cientista, “data do século XVII e deriva da teoria de René
Descartes de que o Universo é uma máquina. Animais e
plantas são vistos como autômatos programados. A natureza
precisa ser encarada de forma menos mecanicista e
utilitária”, afirma.
Foi com base nessas premissas que o biólogo pesquisou e
escreveu o livro Cães Sabem Quando seus Donos Estão
Chegando. O livro, um best-seller, é uma compilação de
casos – alguns acompanhados mais de perto e outros mais à
distância – de animais de estimação que demonstram
poderes maiores do que a ciência tradicional seria capaz de admitir.
Seguindo sua linha polêmica, Sheldrake defende que animais
têm habilidades que nós, humanos, perdemos. Por isso, têm
muito a nos ensinar. Para pesquisar os casos citados no livro,
Sheldrake seguiu três passos. Primeiro, ele e sua equipe
entrevistaram pessoas que têm experiência em lidar com
animais: treinadores, veterinários, cegos com seus cães-
guia, tratadores de zôos, proprietários de canis e gente que
trabalha com cavalos. O segundo passo foi espalhar
aleatoriamente questionários sobre comportamento animal
em residências que possuíam animais de estimação nos
Estados Unidos e nos países britânicos. Por fim, alguns casos
foram separados para um estudo monitorado. O resultado é
um apanhado de casos documentados que surpreende os
mais céticos. Como o do cão Jaytee:
CÃES QUE SABEM
Jaytee foi adotado por uma secretária de Manchester,
Inglaterra, chamada Pamela Smart. Os pais de Pamela
percebiam que, meia hora antes de a filha voltar do
trabalho para casa, Jaytee se postava em frente à porta de
entrada e esperava por ela. Como ele sabia que ela estava
chegando? Curiosa com o fato, Pamela entrou em contato
com Rupert Sheldrake e se propôs a colaborar com sua
pesquisa. Durante 100 dias, ela e seus pais mantiveram um
diário duplo anotando detalhes das rotinas de Pam e do
animal. Sob a orientação de Sheldrake, Pamela começou a
inserir algumas variáveis em seu comportamento para testar
a capacidade de Jaytee de antecipar sua chegada. Seria o
cheiro? Dificilmente: a dona estava entre seis e 60
quilômetros de casa. Como sentir qualquer cheiro a essa
distância no caos urbano? Será que o mascote reconhecia o
motor do carro? Tampouco. Pamela começou a voltar para
casa de táxi, de bicicleta ou a pé e o cão continuou
antecipando sua chegada. Seria a rotina? Também não, pois
variações aleatórias de horário não mudaram em nada o
fenômeno.
Por fim, Sheldrake utilizou duas câmeras, com os
cronômetros sincronizados, para registrar o comportamento
de Jaytee e os movimentos de Pamela. Nada menos que 120
fitas foram registradas e analisadas. E revelaram algo ainda
mais intrigante. Jaytee não ia para a porta esperar a dona
no momento em que ela partia do trabalho, mas no
momento em que ela decidia partir. Era como se lesse seus
pensamentos. Submetidos ao crivo de outros cientistas, os
dados foram considerados insuficientes e passíveis de erro,
mas Sheldrake insiste: cães têm poderes extra-sensoriais. E
não são só eles: gatos, papagaios, galinhas, gansos, répteis,
peixes, macacos, cavalos e ovelhas também os possuem.
ANIMAIS QUE CURAM
Rupert Sheldrake afirma que, nos templos de cura da Grécia
antiga, cães eram tratados como co-terapeutas. A mais
importante divindade de cura entre os gregos, Asklépios,
costumava manifestar-se por meio de “cães sagrados”.
Segundo Sheldrake, até Sigmund Freud, o pai da Psicanálise,
era acompanhado por sua cadela, uma chow, que não era
apenas uma companhia ou um animal de estimação, mas
parte do processo a que ele submetia os pacientes. Freud
acreditava em uma “cura pelo animal de estimação”, nas
suas palavras. E, curiosamente, era o animal que avisava
quando a sessão tinha terminado.
Sheldrake indica no livro uma série de trabalhos acadêmicos
realizados em hospitais e clínicas demonstrando que
pacientes que possuem animais de estimação se sentem
menos sós, ansiosos e deprimidos. E o bem-estar emocional
é um grande aliado de médicos na recuperação de
pacientes, porque melhora a resposta imunológica, entre
outros benefícios. Segundo o autor, essa interação acontece
não por mágica, mas porque animais de estimação oferecem
o que poucos humanos são capazes de oferecer: amor
incondicional.
Mas o benefício da ligação entre o dono e o animal
transcende o mero companheirismo. Segundo o biólogo, os
animais cuidam de seus donos, conhecem suas doenças e os
ajudam a se tratar, de forma deliberada, como mostram os
relatos apresentados em seu livro. Uma mulher do norte da
Inglaterra conta que, numa noite de profunda depressão,
resolveu se matar tomando uma overdose de calmantes. Seu
spaniel chamado William pela primeira e única vez em 15
anos de fidelidade total se colocou agressivamente entre ela
e o vidro de remédio, rosnando com fúria e mostrando os
dentes. Ela desistiu do suicídio e o cão voltou à mansidão
habitual.
Christine Murray, que mora numa cidadezinha perto de
Washington, capital dos Estados Unidos, tem uma mestiça de
pitbull e beagle chamada Annie. Cerca de duas vezes por
semana, Annie pula no colo de Christine e começa a lamber
seu rosto furiosamente. Imediatamente, Annie pára o que
estiver fazendo e se acomoda no chão. Em poucos minutos,
tem um ataque epilético. A cadela não falha. Ela parece
saber que a dona vai ter um ataque e a avisa. Há o caso
também de uma epilética alemã de Hamburgo que possui um
casal de vira-latas. Quando o ataque começa, os dois estão
sempre por perto, e um deles tenta se colocar entre a
doente e o chão, para amortecer- lhe a queda.
SENSO DE DIREÇÃO
Desde a década de 1930 o alemão Bastian Schmidt realiza
detalhados estudos sobre orientação animal. Ele foi um
pioneiro em testar teorias ao abandonar cães em lugares
desconhecidos e observar seu comportamento. A observação
mais importante colhida por Schmidt foi a de que nos
primeiros cinco a 25 minutos o animal não “farejava” o
caminho de volta. Ele levantava a cabeça, observava os arredores, como que estabelecendo sua localização. Em
seguida, o cão simplesmente sabia a direção de casa – e seguia para lá.
Sheldrake não podia deixar de testar esse poder. O biólogo
conheceu, em Leicester, uma collie-de-fronteira mestiça
chamada Pepsi que tinha um estranho costume: fugia de
casa e reaparecia na residência de algum parente ou amigo
do seu dono. No verão de 1996, Rupert Sheldrake instalou um receptor GPS (o sistema de posicionamento global) na
coleira de Pepsi e a largou a 3 quilômetros de casa, às 4h55
da madrugada. Às 9 horas da manhã a cadelinha foi achada
curtindo um sol tranqüilamente na casa da irmã do seu
dono. Cada um de seus movimentos foi registrado pelo GPS.
Com a ajuda de um mapa da cidade, Sheldrake descobriu
que, assim que foi largada, Pepsi procurou a casa mais
próxima conhecida, depois foi para a seguinte e assim por
diante. Em pouco menos de quatro horas, já havia passado
por 17 lugares guardados em sua memória. Seguindo seu
padrão de comportamento, logo ela estaria em casa, pronta
para uma nova aventura.
Como animais se guiam? Pelas estrelas, por campos
magnéticos? Sheldrake considera essas teorias mecanicistas
e ultrapassadas. Cita vários casos de cães que descobriram o
túmulo de seus donos sem nem sequer testemunhar a morte
deles. E conta a epopéia de Prince, um Irish Terrier que,
durante a Primeira Guerra Mundial, saiu de Londres para
encontrar seu dono no caos das trincheiras da França (e se
tornou uma espécie de mascote das forças britânicas). O que
estrelas e campos magnéticos têm a ver com isso?
TELEPATIA
Rupert Sheldrake afirma que essa ligação entre homens e
cães se deve ao longo tempo de convivência entre as duas
espécies, que já dura 100 000 anos, quando os primeiros
cachorros foram domesticados. Graças a essa conexão, os
animais “lêem os pensamentos das pessoas”. Eles parecem
sentir quando seus donos precisam de ajuda ou de apoio
emocional. Algumas dessas manifestações se revelam em
pequenos atos cotidianos. Gatos que desaparecem no dia de
ir ao veterinário. Cães que tremem na hora de uma
consulta, mesmo que seus donos simulem tratar-se de um
simples “passeio”.
Rupert Sheldrake coletou mais de 1 500 casos de supostos
contatos telepáticos entre homens e animais. Histórias como
a do gato Godzilla, que vive com o relações-públicas David
White, em Oxford. Por obrigação profissional, White viaja
muito por lugares tão diferentes quanto a África do Norte, o
Oriente Médio e a Europa continental. Não importa de onde
ou quando David White ligava, Godzilla subia à mesa e ficava
ao lado do telefone antes que ele fosse atendido. Mas só nas
ligações do dono. Todas as outras eram desprezadas pelo
gato. Isso foi testado em várias condições e variações, e
Godzilla não falhava. Se o dono liga, ele parece saber. Um
caso semelhante ocorre com o cão Jack, de Gloucester: ele
também só fica ao lado do telefone quando seu dono liga.
Com um detalhe: Jack se manifesta uns dez minutos antes
de a ligação acontecer.
Arquivo pessoal: Ellen de La Serena e Baruck da Serra da Bocaina
A EXPLICAÇÃO FINAL
Sheldrake é o primeiro a esfriar os ânimos de seus leitores
que procuram explicações para esses fenômenos. “Não
existe uma conclusão para explicar tudo isso”, diz ele. O
que há são hipóteses. E a hipótese do biólogo baseia-se em
uma controversa proposição: a teoria dos “campos
mórficos”. Segundo Sheldrake, os corpos têm uma espécie
de extensão invisível e indetectável, que determina sua
forma e seu comportamento. São os campos mórficos. A
teoria não pára por aí. Esses campos, diz ele, atravessam o
tempo – conectando as coisas entre si – e o espaço –
conectando os corpos com outros corpos existentes no
passado e no futuro, em um processo chamado ressonância
mórfica. “O campo mórfico é um campo estendido no
tempo-espaço, assim como o campo gravitacional do sistema
solar não está meramente dentro do Sol e dos planetas, mas
contém todos eles e coordena seus movimentos”, diz.
A idéia básica é a de que todo ser possui uma marca própria,
que se estende não apenas ao seu próprio organismo, mas a
tudo com o que esse ser convive. E essa ligação se torna
mais forte à medida que essa convivência se repete.
Segundo Sheldrake, a origem do campo mórfico pode estar
em um fenômeno que inquietou Albert Einstein, chamado de
não-localidade quântica, e que foi confirmado por
experiências realizadas na década de 80. Nos experimentos,
comprovou-se que duas partículas de luz, ou elétrons,
emitidas pelo mesmo átomo continuam de certa forma
ligadas entre si, mesmo separadas por uma grande distância.
De tal forma que, quando os cientistas mediam alguma
característica de uma das partículas, a outra imediatamente
modificava a mesma característica.
OS CAMPOS MÓRFICOS
Os campos mórficos explicam muitos mistérios que desafiam
a ciência, como a morfogênese, ou seja, o desenvolvimento
da forma e da estrutura de um organismo. Enquanto os
biólogos continuam procurando a chave que faz uma perna
desenvolver-se como uma perna e não como uma antena,
Sheldrake já tem sua resposta. Como uma semente de
cenoura se transforma em uma cenoura? Resposta: seu
campo mórfico conecta a semente às cenouras passadas,
que a precederam, e faz com que ela se desenvolva como
uma cenoura. Esse não seria o papel dos genes? Em parte. Os genes seriam apenas um sintonizador de campos mórficos.Como o seletor de canais de uma televisão, o DNA conecta um ser ao seu respectivo campo mórfico. Por esse mesmo raciocínio, admite-se que um jogo de palavras cruzadas impresso em um exemplar de um jornal matutino fica mais fácil de resolver à medida que o dia passa, porque a
ressonância mórfica emitida pelas pessoas que o resolveram
facilita a tarefa.
Bem, e onde entram os animais? Em termos muito
simplificados, esses campos mórficos formam ligações entre
seres (e entre seres e objetos) invisíveis aos olhos e ao
conhecimento. É como um campo magnético – que nada
representa para nós se não tivermos uma bússola. Segundo essa teoria, animais criam campos mórficos com seus donos e sabem como utilizá-los na prática. O gato que sabe que o
telefonema é do seu dono está apenas usando seus “sensores de campos mórficos”.
Quando um animal “adivinha” a hora exata em que seu dono
vai chegar, estaria usando um recurso de inteligência que
nós perdemos. Quando um cachorro quer voltar para casa,
ele apenas localiza a extensão do seu campo mórfico e vai
em frente. O mesmo princípio vale para o cãozinho Prince,
que, de algum jeito, cruzou o Canal da Mancha para
reencontrar seu dono no inferno das trincheiras.
Sheldrake acha que sua teoria faz parte de uma evolução
natural do conhecimento. “Descartes acreditava que o único
tipo de mente era a consciente. Então, Freud reinventou o
inconsciente. Daí Jung disse que não existe apenas um
inconsciente pessoal, mas um inconsciente coletivo. A
ressonância mórfica nos mostra que nossas próprias almas
estão conectadas com as almas dos outros e ligadas ao
mundo que nos cerca.”
Ana Rosa Figueira
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