A primeira vista são eles que dependem de nós para se alimentar, para passear, jogar a bolinha... Mas basta visitar um pet shop para ver como somos dependentes deles. Só o brasileiro gasta, em média, R$ 760 por ano com bichos de estimação. Tudo em troca de algumas lambidas, fidelidade e muito companheirismo. Mas o que exatamente tornou duas espécies diferentes tão unidas a esse ponto?
Criando laços
Pesquisas recentes mostram que os cachorros, assim como os lobos, não se organizam em hierarquias dominadas por um macho alfa. É o que defende o biólogo John Bradshaw, da Universidade de Bristol, Inglaterra. Segundo Bradshaw, na natureza as matilhas formam-se com membros familiares próximos, de até três gerações. Os mais velhos são os líderes naturais do grupo, mas o clima costuma ser mais de cooperação do que de submissão.
O erro estava na forma como os lobos eram observados até agora: animais vivendo em cativeiro e com indivíduos escolhidos ao acaso. O que acabava alterando a forma como se organizavam.
Adestradores que até agora pensavam que deveriam interpretar o papel desse líder para dominá-los estão voltando atrás e treinando os bichos com mais carinho e recompensas. Por isso, foi tão fácil dar certo a amizade entre homens e cães.
Uma relação rara entre espécies diferentes, que o austríaco
Konrad Lorenz, um dos mais famosos especialistas em
comportamento animal, chamou nos anos 1960 de "o laço" - ligação que surge quando os dois animais enxergam vantagens na parceria. Lorenz ainda estudou outro fator que nos atrai nos cães: o "esquema bebê" - características típicas dos filhotes de mamíferos que eles conservam por mais tempo, como os olhos grandes e o corpo macio.
Pesquisas comprovam: nós não conseguimos resistir. É o que faz muita gente ao promovê-los à condição de quase-humanos e vesti-los com casaquinhos ou criar um resort só para eles.
Você é a mamãe
E não é só isso. "Para garantir a parceria, eles fizeram um esforço evolutivo para se tornarem cada vez mais atraentes para nós", diz Ceres. Aprenderam até a interpretar nossas expressões faciais - coisa de que só os cavalos também são capazes. Tanto que muitos deles nem desconfiam que são cães. Principalmente filhotes que foram separados da mãe antes da 10a semana de vida, quando o animal ainda está construindo as primeiras relações sociais. Sem o convívio com a cadela e outros cães, não aprendem a ser cachorros.
A herança genética não basta, e eles ficam confusos. Apegam-se aos seus primeiros cuidadores - esses cachorrões esquisitos sem pelos que usam roupas e andam em pé. Passam a pensar que você, caro leitor, é a mamãe. O que pode até levar a problemas como a ansiedade de separação. "Muitos cães sofrem quando o dono está ausente e se tornam depressivos ou agressivos", afirma o veterinário Daniel Svevo. Uma codependência que provavelmente surgiu com os primeiros cães.
"O tempo passou, mas as necessidades psicológicas e práticas que nos aproximaram deles são as mesmas, afirma Ceres Faraco, doutora em psicologia social pela PUC-RS e veterinária especialista em cães. Tanto que muitas vezes cruzamos raças até obter animais que dificilmente sobreviveriam sozinhos na natureza. Como o shih tzu, raça que precisa do dono até para aparar os abundantes pelos que encobrem os seus olhos (sem essa ajuda, eles saem tropeçando em tudo).
Pelo que percebemos olhando o número de pet shops nas ruas de qualquer cidade, o trabalho compensa. "É consenso entre cientistas que o simples ato de fazer carinho em um cão é capaz de liberar endorfinas, gerando uma sensação de prazer", afirma Daniel Svevo, veterinário, adestrador e terapeuta canino de São Paulo. Vale lembrar: endorfinas são hormônios da felicidade produzidos pelo próprio corpo, mas que têm capacidade de viciar como uma droga. Dois bons exemplos de como, nesse duradouro relacionamento, um não pode viver sem o outro.
Fonte: Revista Superinteressante