O uso de células olfativas no tratamento das lesões da medula espinhal em cães
José Fernando Ibanez
Recentemente, alguns veículos da mídia divulgaram notícias de que o
transplante de células cultivadas a partir de amostras da mucosa
olfativa de cães na medula espinhal poderia restabelecer a capacidade de
deambulação. Depois que se descobriu que existem linhagens de células
capazes de se diferenciar em vários tipos de tecidos e algumas capazes
de “estimular” a regeneração de outros tecidos, muitos estudos têm sido
conduzidos com o intuito de restaurar tecidos danificados.
Isso poderia ser o apanágio para
enfermidades e danos em tecidos com pouca capacidade regenerativa como a
retina, o tecido neural, coração, rins e outros. Nestes tecidos, os
danos geram cicatrizes; e cicatrizes não possuem as mesmas propriedades
funcionais do tecido original. Isso resulta em déficit, que não raro,
culmina com a morte ou perda daquela função.
Uma grande dificuldade que os
pesquisadores enfrentam no uso de células tronco é identificar que
estímulo leva aquela célula tronco a se diferenciar em um tecido
específico: o que faz com que ela se diferencie em células de miocárdio,
de tecido nervoso ou outro qualquer; já que a célula tronco é a base, a
precursora de todas as outras….
A reportagem em questão não faz alusão a
células tronco, ainda que muitos possam assim pensar. A reportagem se
refere à interferência que as células da mucosa olfativa têm sobre a
regeneração do tecido nervoso especificamente. Estudos anteriores
evidenciaram a influência desta linhagem de células sobre a atividade
regenerativa do tecido nervoso.
No presente estudo, publicado na revista
Brain, volume de novembro de 2012, realizado pela Universidade de
Cambridge, 34 cães com paralisia total dos membros posteriores há mais
de três meses foram submetidos a um teste que consistia na injeção de
células da mucosa olfativa no foco da lesão medular. Alguns animais
foram tratados com as células e outros simplesmente receberam placebo. O
estudo foi muito rigoroso e cuidadosamente conduzido para aumentar a
confiabilidade dos resultados.
“Os resultados demonstraram grande
melhora na capacidade de deambulação nos animais que receberam o
‘enxerto’ de células olfativas no local da lesão da medula.” Isto foi o
que se divulgou na mídia.
Para a medicina veterinária isto
poderia, por si só, constituir um grande avanço. E o é! Tanto para a
veterinária quanto para a medicina humana. Entretanto, alguns pontos não
foram divulgados pela mídia: os mecanismos que fazem os cães e os
humanos caminharem são um pouco diferentes: os cães necessitam pouco ou
nada da atividade cerebral para andar; enquanto que os humanos
necessitam de muita atividade e conectividade cérebro-medula para
caminhar. Se um cão tiver conectividade medular ele consegue andar,
ainda que não perfeitamente, sem precisar de atividade cortical cerebral
para isso.
Os resultados do trabalho que
desencadearam estas reportagens demonstraram que apesar dos animais
terem melhorado muito sua capacidade de locomoção, ou seja, conseguiram
“voltar a andar”, não foi possível registrar, nesses animais, melhora na
comunicação entre o cérebro e a periferia. Isto significa que, ainda
que se tenha observado melhora nesses animais, em humanos talvez não
houvesse a capacidade de locomoção. Os autores da pesquisa sugerem que
as células transplantadas, mais que regenerar as áreas afetadas da
medula tenham propiciado “brotamentos” dos neurônios danificados e que
estes possam ter restabelecido alguma atividade medular, mas não a
comunicação entre os tratos medulares e o cérebro.
Ainda que os resultados não sejam tão
animadores eles o são sim! Os animais voltaram a caminhar. Para que
humanos voltem a caminhar, outros estudos e descobertas serão
necessários.
Outro ponto que não foi divulgado nas
reportagens foi o trabalho e custo do processo. Todo o processo, desde a
colheita das células da mucosa olfativa até o enxerto na medula levou
aproximadamente 4 semanas. As células foram colhidas da mucosa do seio
frontal e depois preparadas e cultivadas por várias semanas até que se
multiplicassem e pudessem constituir número suficiente para o enxerto.
Foram enxertadas cerca de 5 milhões de células. Os custos e processos
envolvidos na cultura dessas células inviabiliza a aplicação desta
técnica como rotina na medicina veterinária nos dias de hoje.
Ter um paciente para ou tetraplégico em
casa, seja um cão ou uma pessoa é extremamente desgastante. Um ser que
antes podia fazer tudo ou quase tudo sozinho agora passa a depender das
pessoas para muitas atividades que antes passavam despercebidas. Os
gastos com cuidados paralelos por causa do decúbito prolongado ou
infecções decorrentes da retenção ou incontinência urinária são muito
elevados.
Em cães a principal causa de doenças
medulares é a hérnia de disco. Há diversos tipos de hérnia que podem
acometer cães e gatos de diferentes portes e idades. O mais comum
acomete animais pequenos e médios, com idade entre 4 e 7 anos. O pronto
atendimento e tratamento, quase sempre cirúrgico, são essenciais para a
reabilitação; ainda que em alguns casos o resultado não seja
satisfatório. O animal não volta a caminhar ou permanece com importantes
déficits.
As chances de restabelecimento das lesões medulares por hérnia de disco na medula toraco-lombar giram em torno de 80 – 85%.
Passado algum tempo da hérnia a medula
se degenera e restabelecer a atividade motora é bem mais difícil. A
hérnia de disco pode ter duas manifestações:
- crônica: o animal começa a ficar
incoordenado com os membros posteriores. Essa fase inicial às vezes
passa despercebida ou só é notada quando o paciente está muito
incoordenado. O próximo evento é a perda da atividade motora voluntária
(não consegue se locomover); depois vem a retenção urinária e por
último, a perda da sensibilidade dolorosa. Este tipo de manifestação
pode causar dor na coluna, mas nem sempre isso é identificado pelo
tutor.
- aguda: animal apresenta paralisia
súbita, retenção urinária com ou sem perda da sensibilidade dolorosa.
Nestes casos a dor na coluna é mais notória.
O diagnóstico de hérnia de disco é
clínico e obrigatoriamente requer exames complementares: raios x,
tomografia ou ressonância. O exame radiográfico e a tomografia
geralmente precisam ser contrastados. Nos casos em que há paralisia,
obrigatoriamente o tratamento é cirúrgico. Após a cirurgia é essencial
que o animal passe por um programa de reabilitação (fisioterapia) que
vai enfatizar a recuperação do equilíbrio, restabelecer as vias da
medula responsáveis pelos movimentos e coordenação e restaurar a massa
muscular.
José Fernando Ibanez é Presidente da
Associação de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa-SP) e
Médico Veterinário especialista em ortopedia, com foco especial para o
bem estar, conforto e alívio da dor dos animais.
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