sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O USO DE CÉLULAS OLFATIVAS NO TRATAMENTO DAS LESÕES DA MEDULA ESPINHAL EM CÃES

O uso de células olfativas no tratamento das lesões da medula espinhal em cães

 José Fernando Ibanez

Recentemente, alguns veículos da mídia divulgaram notícias de que o transplante de células cultivadas a partir de amostras da mucosa olfativa de cães na medula espinhal poderia restabelecer a capacidade de deambulação. Depois que se descobriu que existem linhagens de células capazes de se diferenciar em vários tipos de tecidos e algumas capazes de “estimular” a regeneração de outros tecidos, muitos estudos têm sido conduzidos com o intuito de restaurar tecidos danificados.
Isso poderia ser o apanágio para enfermidades e danos em tecidos com pouca capacidade regenerativa como a retina, o tecido neural, coração, rins e outros. Nestes tecidos, os danos geram cicatrizes; e cicatrizes não possuem as mesmas propriedades funcionais do tecido original. Isso resulta em déficit, que não raro, culmina com a morte ou perda daquela função.
Uma grande dificuldade que os pesquisadores enfrentam no uso de células tronco é identificar que estímulo leva aquela célula tronco a se diferenciar em um tecido específico: o que faz com que ela se diferencie em células de miocárdio, de tecido nervoso ou outro qualquer; já que a célula tronco é a base, a precursora de todas as outras….
A reportagem em questão não faz alusão a células tronco, ainda que muitos possam assim pensar. A reportagem se refere à interferência que as células da mucosa olfativa têm sobre a regeneração do tecido nervoso especificamente. Estudos anteriores evidenciaram a influência desta linhagem de células sobre a atividade regenerativa do tecido nervoso.
No presente estudo, publicado na revista Brain, volume de novembro de 2012, realizado pela Universidade de Cambridge, 34 cães com paralisia total dos membros posteriores há mais de três meses foram submetidos a um teste que consistia na injeção de células da mucosa olfativa no foco da lesão medular. Alguns animais foram tratados com as células e outros simplesmente receberam placebo. O estudo foi muito rigoroso e cuidadosamente conduzido para aumentar a confiabilidade dos resultados.
“Os resultados demonstraram grande melhora na capacidade de deambulação nos animais que receberam o ‘enxerto’ de células olfativas no local da lesão da medula.” Isto foi o que se divulgou na mídia.
Para a medicina veterinária isto poderia, por si só, constituir um grande avanço. E o é! Tanto para a veterinária quanto para a medicina humana. Entretanto, alguns pontos não foram divulgados pela mídia: os mecanismos que fazem os cães e os humanos caminharem são um pouco diferentes: os cães necessitam pouco ou nada da atividade cerebral para andar; enquanto que os humanos necessitam de muita atividade e conectividade cérebro-medula para caminhar. Se um cão tiver conectividade medular ele consegue andar, ainda que não perfeitamente, sem precisar de atividade cortical cerebral para isso.
Os resultados do trabalho que desencadearam estas reportagens demonstraram que apesar dos animais terem melhorado muito sua capacidade de locomoção, ou seja, conseguiram “voltar a andar”, não foi possível registrar, nesses animais, melhora na comunicação entre o cérebro e a periferia. Isto significa que, ainda que se tenha observado melhora nesses animais, em humanos talvez não houvesse a capacidade de locomoção. Os autores da pesquisa sugerem que as células transplantadas, mais que regenerar as áreas afetadas da medula tenham propiciado “brotamentos” dos neurônios danificados e que estes possam ter restabelecido alguma atividade medular, mas não a comunicação entre os tratos medulares e o cérebro.
Ainda que os resultados não sejam tão animadores eles o são sim! Os animais voltaram a caminhar. Para que humanos voltem a caminhar, outros estudos e descobertas serão necessários.
Outro ponto que não foi divulgado nas reportagens foi o trabalho e custo do processo. Todo o processo, desde a colheita das células da mucosa olfativa até o enxerto na medula levou aproximadamente 4 semanas. As células foram colhidas da mucosa do seio frontal e depois preparadas e cultivadas por várias semanas até que se multiplicassem e pudessem constituir número suficiente para o enxerto. Foram enxertadas cerca de 5 milhões de células. Os custos e processos envolvidos na cultura dessas células inviabiliza a aplicação desta técnica como rotina na medicina veterinária nos dias de hoje.
Ter um paciente para ou tetraplégico em casa, seja um cão ou uma pessoa é extremamente desgastante. Um ser que antes podia fazer tudo ou quase tudo sozinho agora passa a depender das pessoas para muitas atividades que antes passavam despercebidas. Os gastos com cuidados paralelos por causa do decúbito prolongado ou infecções decorrentes da retenção ou incontinência urinária são muito elevados.
Em cães a principal causa de doenças medulares é a hérnia de disco. Há diversos tipos de hérnia que podem acometer cães e gatos de diferentes portes e idades. O mais comum acomete animais pequenos e médios, com idade entre 4 e 7 anos. O pronto atendimento e tratamento, quase sempre cirúrgico, são essenciais para a reabilitação; ainda que em alguns casos o resultado não seja satisfatório. O animal não volta a caminhar ou permanece com importantes déficits.
As chances de restabelecimento das lesões medulares por hérnia de disco na medula toraco-lombar giram em torno de 80 – 85%.
Passado algum tempo da hérnia a medula se degenera e restabelecer a atividade motora é bem mais difícil. A hérnia de disco pode ter duas manifestações:
- crônica: o animal começa a ficar incoordenado com os membros posteriores. Essa fase inicial às vezes passa despercebida ou só é notada quando o paciente está muito incoordenado. O próximo evento é a perda da atividade motora voluntária (não consegue se locomover); depois vem a retenção urinária e por último, a perda da sensibilidade dolorosa. Este tipo de manifestação pode causar dor na coluna, mas nem sempre isso é identificado pelo tutor.
- aguda: animal apresenta paralisia súbita, retenção urinária com ou sem perda da sensibilidade dolorosa. Nestes casos a dor na coluna é mais notória.
O diagnóstico de hérnia de disco é clínico e obrigatoriamente requer exames complementares: raios x, tomografia ou ressonância. O exame radiográfico e a tomografia geralmente precisam ser contrastados. Nos casos em que há paralisia, obrigatoriamente o tratamento é cirúrgico. Após a cirurgia é essencial que o animal passe por um programa de reabilitação (fisioterapia) que vai enfatizar a recuperação do equilíbrio, restabelecer as vias da medula responsáveis pelos movimentos e coordenação e restaurar a massa muscular.


José Fernando Ibanez é Presidente da Associação de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa-SP) e Médico Veterinário especialista em ortopedia, com foco especial para o bem estar, conforto e alívio da dor dos animais.

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